TOLSTOY, GANDHI E O ANARQUISMO CRISTÃO

Em 1894 Leo Tolstoy, um escritor Russo, teólogo, filósofo e anarquista cristão escreveu o livro "O Reino de Deus dentro de você?" que desde o primeiro capítulo desenvolve a doutrina da resistencia passiva, segundo o autor, baseada no sermão do monte de Jesus Cristo.

Ora, meu objetivo nesse artigo é o de informar, não de doutrinar. A teologia é uma filosofia quando aplica princípios filosóficos para definir a fé em sistemas doutrinarios. Portanto é imprescindível para mim, julgando pelo público que visita esse blog, que julgo eu, são em sua maioria gente que faz apologia cristã, tenham conhecimentos das variadas, e perspicazes teologias desenvolvidas ao longo de dois milênios de cristianismo, para que se preparem em suas defesas do evangelho, à exemplo de Chesterton que combateu a teologia de Tolstoy em seus dias.


Em 1908, Tolstoy escreveu à Gandhi "A Letter to a Hindu" que definia a doutrina de que somente usando o amor como arma através da resistência passiva poderiam as pessoas Hindus derrubar o Império Britânico colonial.  Gandhi que escreveu de volta, lhe pediu permissão para publicar "A Letter to a Hindu" e os dois trocaram correspondencias, de conteúdo  teológico e aplicações práticas da não violência, até no ano de 1910 quando Tolstoy morreu.

Tolstoy abre o seu livro com as seguintes palavras "Entre os muitos pontos em que esta doutrina fica aquém da doutrina de Cristo eu aponto como a principal delas a ausência de qualquer mandamento de resistencia passiva às forças do mal. A perversão do ensinamento de Cristo na doutrina da Igreja é mais claramente evidente neste ponto do que em qualquer outro ponto."

Tolstoy era uma assíduo leitor dos evangelhos, e na apologia de sua teologia anarco-pacifista, acusava vementemente o apostolo Paulo de trair e sabotar o movimento popular de Jesus através de sua teologia, influenciada pelo farisaísmo talmudico, que submetia os cristãos aos domínio dos Romanos, lançando os fundamentos para o surgimento da união entre igreja cristã e Estado. Segundo Tolstoy, a resistencia pacífica iniciada por Jesus, abertamente criticava o mundo e a opressão dos governantes e não lhes oferecia resistencia quando estes eram perseguidos.  Tão fortes eram às críticas de Tolstoy à união da igreja ortodoxa com o Estado Russo que foi excomungado em 1901 sob a acusação de "tentar destruir a verdadeira fé nas mentes e nos corações dos fiéis" segundo a carta aberta da igreja Ortodoxa.


O maior exemplo de resistencia pacífica, segundo Tolstoy, foi o de Jesus Cristo que resistia publicamente contra a opressão dos governantes e dos sacerdotes sobre o povo e foi passivo quando foi levado como ovelha muda ao matadouro. Seus discípulos, a começar com Estevão seguiram os passos de denunciar a opressão sem contudo oferecer resistancia a violencia e se deixou martirizar pelo evangelho. Quando Cristo disse "dê a outra face", Tolstoi o interpreta com o ato de abolir toda a violência, até mesmo a auto-defesa. Ele dizia sobre participação de cristãos em guerras, "Como você pode matar pessoas, quando está escrito no mandamento de Deus:" Não matarás ?"

Tolstoy a exemplo dos teólogos anarquistas resitiam aos ensinos do apostolo Paulo a quem alguns deles acusavam de ser um fariseu infiltrado nas fileiras da igreja primitiva por causa de Romanos 13 onde Paulo pede que a igreja seja submissa ao Estado. De fato, a teologia dos fariseus desde o cativeiro babilônico ensinava que a paz necessaria para que os sacrificios e liturgia no templo continuasse sem interrupções dependia da submissão às autoridades mesmo às invasoras, como os persas, gregos e romanos. Ora, o contexto histórico dos evangelhos e os eventos relacionados com a morte de Jesus Cristo estão realmente ligados ao medos dos saduceus e fariseus que o tempo lhes fosse tirado, se os romando se sentissem seu controle ameaçado, João 11:48:

“Se o deixarmos assim, todos crerão nele, e virão os romanos, e nos tirarão tanto o nosso lugar (templo) como a nossa nação.”

O texto nos leva a conluir que uma resistencia do povo não estava nos planos dos fariseus e sacuceus a isso se pode relacionar contextualmente com o fato de que Jesus ter se dirigido propositalmente a Jerusalém quando sabia que O buscavam para matar João 11:16:

“Disse, pois, Tomé, chamado Dídimo, aos seus condiscípulos: Vamos nós também, para morrermos com ele.”

Conforme a interpretação historica Tolstoy Jesus criou um movimento de denúncia ao pecado e resistencia pacífica aos governos opressores. Em realidade há uma fartura de literaturas dos fariseus, datadas do primeiro século e também anterior a este, disponíveis até o dia de hoje, e Tolstoy, ao que parece era ciente da existencia deles, onde os fariseus determinam que a submissão às autoridades é necessaria para que haja paz no templo. Ora se Paulo se deixava inconcientemente influenciar pela doutrina de submissão dos fariseus quando aconselhava aos cristãos a se submeterem às autoridades, é algo que não me atrevo a concluir, porém à doutrina de submissão, ensinada por Paulo, afim de que a igreja gentílica pudesse em paz praticar seu cristianismo sem a opressão dos romanos, era semelhante ao ensino farisaico adotado também pelos seus oponentes saduceus, para manter à liberdade de culto em Jersualém, é um fato, embora o bom senso comum, que pode ser entendido no caso exposto, pode ser compartilhado até mesmo por religiões distintas. Romanos 13:1-14 e Tito 3:1 lêem:

“Toda alma esteja sujeita à autoridade, Por que quem resiste a autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação.”

“Adverte-lhes que estejam sujeitos aos governadores e autoridades, que sejam obedientes, e estejam preparados para toda boa obra,”

Não somente Tolstoy mas outros outros teólogos anarquistas cristãos na historia da igreja, como David Lipscomb, Jacques Ellul e Vernard Eller não aceitavam Romanos 13 como um verso inspirado mas reconheciam o texto como uma passagem bíblica vergonhosa, pois segundo eles o Estado é um poder maligno que executa ira e vingança e como são estes são contrários aos valores cristãos de bondade e perdão, os escritos de Paulo não foram inspirados nos ensinos de Jesus, concluem. Ammon Hennacy outro teólogo anarquista acusava Paulo de “por à perder” a mensagem do evangelho.

Ainda segundo Tolstoy, essa doutrina de submissão desenvolvida por Paulo em suas cartas estavam opostos ao ensino prático de Jesus de resistir passivamente, como o faziam os discípulos Galileus, conforme os registros no livro de Atos, que aprenderam a resistencia pacífica aos pés de Jesus. Paulo, contraste acentuado por Tolstoy, era romano, nascido na cidade grega de Tarsos, fornecedora de madeira ao imperio grego dos Seléucidas na província da Cicília, e que aprendeu aos pés do Gamaliel, neto do fundador da escola farisaica, Hilel. Portanto ele não poderia ter o mesmo conhecimento prático dos ensinos de Jesus a quem nunca encontrou, salvo através de vagas visões sobrenaturais. E ainda segundo Tolstoy, Paulo a si mesmo se condena quando confessa a influência farisaica e total alienação ao ensino prático de Jesus, quando em Gálatas 1:10-17 escreve:

“o evangelho que por mim foi anunciado não é segundo os homens; porque não o recebi de homem algum, nem me foi ensinado ... na minha nação excedia em judaísmo a muitos da minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais ... não consultei carne e sangue, nem subi a Jerusalém para estar com os que já antes de mim eram apóstolos, mas parti para a Arábia, e voltei outra vez a Damasco.”

Usando esses mesmos versos, Tolstoy desafiava o apostolado de Paulo a quem acusa ser o único helenista entre os líderes da igreja primitiva e a teologia paulina de ser incompativel com a teologia dos apostolos que foram por sua vez separados de entre os discípulos que aprenderam diariamente aos pés de Jesus.


Há de fato uma diferença entre as duas doutrinas de submissão e resistencia passífica, o que porém podemos discutir é se o cenário proposto por Tolstoy reflete à verdade histórica. Tolstoy acusava também os estudiosos romanos, medievais de limitar o alcançe do evangelho ao fundir a igreja com o Estado e em particular, ele confronta aqueles que buscavam manter o status quo:

"Que esta ordem social, com seu pauperismo, fome, prisões, forca, exércitos e guerras são necessários a esta sociedade; haveria desastre ainda maior fossem estas organizações destruídas; é isso que é dito apenas por aqueles que lucram com estas organizações, enquanto que aqueles que sofrem com isso, são dez vezes mais numerosos, pensam e dizem exatamente o contrário ".

Tolstoy não encontrou ouvidos abertos na comunidade cristã, salvo por uma minoria, ele então buscou a influenciar a Gandhi, que escreveu em sua autobiografia A História da Minha Experiências com a Verdade (Parte II, capítulo 15) que o livro "O Reino de Deus dentro de você?"  deixou nele uma impressão duradoura." Gandhi lista o livro de Tolstoy entre as três influências modernas mais importantes em sua vida. “Ler este livro”, disse Gandhi, “abriu a minha mente” quando eu era um jovem manifestante vivendo na África do Sul. Por boas razões Gandhi deixou de aplicar a teologia de Tolstoy para se concentrar em seu aspecto prático de resistencia passiva. Ghandi era contra o Estado britanico, mas a favor do Estado hindu e seu milenar e injusto sistema de castas. A verdade é  que Gandhi apenas utilizou da filosofia de Tolstoy como propanga politica ao ocidente, enquando na prática, Gandhi reavivou a opressão do sistemas de castas, que estava enfraquecido pela presença do governo Britanico que abandou suas colonias para combater a Hitler.

Segundo os seus leitores, Tolstoy contribuiu para reconhecimento da resistência pacífica no próprio fundamento do cristianismo enquanto não poupava críticas aos pensadores e regimes totalitarios, “Nietzsche era estúpido e anormal.” dizia Leo Tolstoy sobre o pensador preferido dos Nazistas, e “governo é uma associação de homens com o objetivo de violentar o resto de nós.”

Não nos podemos deixar confundir. Tolstoy, como os outros teólogos anarquistas, não era um pensador humanista socialista, pelo contrario, ele reconhecia em Jesus a única autoridade a quem os humanos deveriam ser submeter, dessa forma não reconhecia nenhuma outra autoridade na terra fosse governo ou Estado, instituições indispensáveis na ideologia socialista, o que faz dele um dos pais do social libertarianismo moderno, ou seja alguém que promovia uma sociedade não-hierárquica, não burocrática, sem a propriedade privada dos meios de produção através da conversão atual de propriedade produtiva privada em um bem comum, mantendo o respeito à propriedade pessoal, com base em ocupação e uso. Tolstoy deixou claro esse seu sentimento reformador quando escreveu: “As mudanças em nossa sociedade devem vir da impossibilidade de viver sem estar de acordo com as exigências da nossa consciência e não de nossa resolução mental em tentar criar uma nova sociedade.”

Pedro advertiu que os homens tomavam as cartas de Paulo e as distorciam para sua própria destruição. Nos consideramos advertidos pelas palavras de Pedro diante da teologia cristã moderna que tem tornado o cristianismo, como um todo, em uma religião fraca. Se alguém lê algo que pareça contradizer a Jesus nos escritos de Paulo melhor consultar os escritos originais, deixando o Espírito guiá-lo. Ele o fará e voce descobrirá que não há contradições

Wesley Moreira