OS CRISTÃOS DE ARISTIDES

Houve um tempo, na historia da igreja, em que a prática da apologia não era a defesa da doutrina, mas a defesa dos crentes em sua posição de fé. Isso se deu porque não havia distinção entre o evangelho escrito e os que nele criam. Do modo de vida virtuoso dos crentes do segundo século, segundo os registros históricos encontrados, testemunhavam até seus inimigos. que por sua vez concentravam seus ataques na esfera politica, e não na discursão moral.

O dois primeiros séculos desta era foram marcado pelo misticismo e politeísmo. A vida religiosa no imperio romano era baseado em amuletos, sincretismo, rituais e liturgias trazidas de todos os reinos conquistados, simpatias, e a adoração de inúmeros panteões de deuses de deusas trazidos desde à fronteiras do império, o maior deles, o imperador, o deus-estado que reinava sobre todos, decidindo sobre a vida e a morte. Nessa sociedade politeísta o ensino sobre um único deus soava aos ouvidos dos habitantes do império com o mesmo escandalo que o ateísmo soa aos nossos ouvidos.

Os cristãos não possuiam a mesma discrição social na prática de sua fé como os Judeus que tratavam sua fé como um assunto doméstico, os cristãos eram agressivos em sua mensagem em singelos em seu testemunho. Assim escreveu em 125 dC, o historiador Aristides descrevendo os cristãos do segundo século:

“Estavam sempre dispostos em denunciar o pecado e eram passivos quando atacados, e não se defendiam. Os cristãos são pessoas morais e retas. No meio deles a mulher devassa torna-se casta e um escravo inútil tornou-se um servo fiel. Aparentemente seus crimes só lhes importa uma vez que eles os abandonam.” Eles andam com toda a humildade e bondade, a falsidade não é encontrada entre eles, e eles se amam. Eles não desprezam a viúva, nem entristecem ao órfão. Aquele que tem, distribui generosamente para aqueles que não têm. Se eles vêem um estranho, eles o trazem para debaixo do seu teto, e se alegram com ele como se fosse seu próprio irmão, porque eles se chamam irmãos, não segundo a carne, mas segundo o espírito e Deus; mas quando um dos seus pobres passa desse mundo mundo, então eles fornecem tudo para seu enterro segundo a sua capacidade; e se eles ouvirem que qualquer um do seu grupo é preso ou oprimido em nome do seu Messias, todos eles fornecem de tudo para as suas necessidades; e se é possível que ele possa ser liberto, eles pagam a fiança. E se não houver entre eles um homem que é pobre ou necessitado, e eles têm em abundância, então jejuam dois ou três dias e depois se organizam para que eles possam atender os mais necessitados com a comida necessária."

As comuns e abundantes acusações contra os cristãos não passavam de campanhas de difamação como por exemplo, da prática ritualística do incesto e acusação de comeriam crianças na santa ceia. Era o monoteísmo o que escandalizava o povo comum que enxergavam nele uma ameaça à segurança do Estado pois era sabido que ao se tornar cristão o neófito deixavam de adorar aos deuses das terras conquistadas. Aristides nos lugares públicos defendia assim à fé monoteísta:

“Mas vocês me dizem que os romanos governam o mundo por causa dos deuses, e que os cristãos colocam em perigo a segurança do Estado por sua incapacidade de adorá-los, arriscando provoca-los à ira. Bem, desde que vocês capturaram esses deuses dos povos estrangeiros que esses deuses falharam notavelmente em defender, não parece que a proteção deles seja de muita ajuda. Portanto, a nossa recusa a adorá-los não lhes pode fazer nenhum mau. Pelo contrário, pedimos ao Criador para ajudar o império. Um Deus de verdade é muito mais útil do que um falso."

Por sua vez as autoridades estavam mais preocupadas com as mensagens sobre a volta de Jesus e o mundo vindouro, que a exemplo do que próprio Jesus foi acusado perante Pilatos, tratava-se, aos olhos do administradores romanos, de alta traição e desprezo pela adoração ao Estado, representado na pessoa do imperador romano. Segue o trecho de uma defesa de Aristides sobre o tema:

“A segunda acusação é mais grave, aparentemente, a traição contra César. Verdadeiramente um homem vivo é mais importante do que um deus falso, até mesmo para vocês! Mas oramos ao Deus real, para ajudá-lo (o imperador)... Desde que o império romano sustenta o mundo, naturalmente queremos que ele seja preservado. Mas não através de falsas honras e aplausos desonestos, que o próprio Augusto tem rejeitado... Querem realmente os cristãos assassinar os imperadores? E não era cada um dos assassinos do imperador, seus adoradores até que eles o esfaquearam; e não foram esses mesmos que deram o nome de inimigos públicos aos cristãos quando eles mesmos planejavam traí-lo?“

O número de cristãos crescia regados pelo bom testemunho que lhes outorgava crédito e respeito diante da sociedade. Segundo arquivos encontrados nas cortes dos primeiros séculos, os cristãos eram acusados pela prática do cristianismo, mas em nenhum caso o comportamento moral e a conduta dos cristãos era questionada. Um outro trecho da apologia de Aristides faz referencia à moral dos cristãos:

“Das reuniões dos cristãos se testemunham como os cristãos amam uns aos outros. No entanto, os incrédulos zombam do modo como os cristãos chamam uns aos outros de 'irmãos' - porque entre vocês tal uso sempre está ligado à fraude. Partilhamos tudo, é verdade, menos nossas esposas - vocês não compartilham nada, exceto suas esposas.”

A verdade é que o grande crescimento dos cristãos, principalmente na classe trabalhadora, entres os servos, e seu escandaloso monoteísmo e seu constante referir à Jesus como “filho de deus”, título que era atribuido à reis, inconcientemente questionava as bases de sustentação moral do imperio, a saber, o politeísmo populista e a adoração ao Estado na pessoa do imperador. Os cristãos não eram, no entanto, nenhuma ameaça ao imperio, à ploriferação de sua mensagem monoteísta entre o povo sim Pelo menos era o que pensavam os administradores romanos, e que também foi assunto da apologia de Aristides:

“Conforme a sua própria estimativa, se somos tão numerosos a ponto de superar o número dos seus soldados, e se nos matarem a todos o que sobraria de povo para vocês governarem?”

A solução ao questionamento de Aristides veio não pela morte dos cristãos, mas do gênio de Constantino, pela união da igreja com o Estado. De fato, no século, seguinte, nos dois primeiros concílios convocados pelo imperador Constantino para anistiar e estatizar a fé cristã, o cristianismo precisaria ajustar suas doutrinas afim de fazer as pazes com o Estado, o livro de Apocalipse que apresenta mais explicitadamente a doutrina do 'Mundo Vindouro' e de um reino terreno de Jesus Cristo, o milênio, e denuncia o imperio romano quando cita o número 666 (Soma das letras que no alfabeto em Latim que também representam números, I, V, X, L, C, D, os 6 primeiros números, pois o sétimo M representaria ao Milênio de Cristo) foi rejeitado para o canon bíblico por 2 vezes, sendo finalmente inserido no último momento, no terceiro concílio, sob a promessa do desenvolvimento da teologia do céu, inserida imediatemente no Credo Niceno que finalmente situava a Cristo como Rei do céu, o que não mais alimentaria nenhum sentimento de rejeição ao Estado nem à união entre este e a igreja na terra.

A leitura da enorme apologia de Aristides marejou meus olhos em diversas partes do texto. Esse misto de coragem de pregar denunciando o mau sem oferecer resistencia à quem o mau lhe faz é algo facinante e ainda não alcançada pela igreja dessa geração. Me emociona a simplicidade e clareza na fé e a maturidade daqueles irmãos. Me admira o fato de que o principal argumento da apologia era exatamento o testemunho de vida dos cristãos. Se ao defender a fé Aristides pedia que o mundo observasse os cristãos, o bom apologista de nossos dias está obrigado ao inverso, pedir que a igreja não seja tomada como exemplo.

Ora, como é impossível falar de cada grupo evangelico separadamente, prefiro generizar, me guiando pelo que é tido como maioria e mais popular, seja na TV ou no radio, deixando que cada um julgue por si mesmo segundo às ‘carapuças’ vão se encaixando nas devidas cabeças.

Ainda há alguns na igreja que enganosamente desejam se utilizar da força do Estado para enforçar justiça e caridade quando a missão da igreja é de praticar o amor entre os seus, uns aos outros primeiramente, e depois ao mundo, e isso somente por consequencia do crescimento do evangelho vivido por esses mesmos. Por outro lado qual foi a última vez que você ouviu uma mensagem sobre a volta de Jesus? Por certo, talvez, em um velório, e fora deste ambiente porque a ressurreição e o mundo vindouro deixaram de ser pregados? Nos deixamos romanizar? São esses poucos 60-80 anos suficientes para nos iludir do que nos aguarda de modo que estamos mais preocupados em fazer do que ser, mais em realizar do que realmente viver?

A historia nos ensina algo diferente, quem duvida que consulte a Aristides.

Wesley Moreira