ERA SARA REALMENTE A IRMÃ DE ABRAÃO?

Os inimigos da verdade sempre usam de pretextos para escarnecer das escrituras. Um dos textos favoritos dos que buscam desmoralizar a bíblia é o relato de que Abrão e Sarai eram irmãos. Portanto dizem eles, esse ato de incesto do Pai da Fé remove toda a autoridade das escrituras, mas será que eles estão lendo corretamente o que está escrito? 

Segundo Flavio Josefo o historiador judeu do primeiro século Abrão se casou com sua sobrinha, por ocasião da morte de seu irmão Harã. 

O historiador Flávio Josefo escreveu: 
“Nahor e Haran: destes Haran deixou um filho, Ló; como também Sarai e Milcha, suas filhas; e morreu entre os caldeus, em uma cidade dos caldeus, chamada Ur; e seu monumento é mostrado até hoje. Eles se casaram com suas sobrinhas. Nahor se casou com Milcha e Abram se casou com Sarai.”

Ant 1: 5
Nessa sociedade patriarcal não havia uma palavra específica para sobrinha, o filho de seu irmão era também seu irmão. Era por "irmão" que Abrãao tratava Ló seu sobrinho, irmão de Sarai que havia herdado a herança do seu irmão Harã. Abrão chama seu sobrinho Ló de irmão: 
"E disse Abrão a Ló: Ora, não haja contenda entre mim e ti, e entre os meus pastores e os teus pastores, porque somos irmãos. Gênesis 13:8"
Ora se não havia a palavra para designar sobrinho e se Abrão chamava Ló de irmão, porque temos que assumir que Sarai é sua irmã quando de fato é sua sobrinha, a irmã de Ló? 

Naquela sociedade não havia um termo ou palavra específica para sobrinho ou sobrinha, se usava o expressão “meu irmão, filho do meu irmão” e o mesmo se aplicava para primos “meu irmão, filho do irmão de meu pai” portanto Abrão não mentiu ao chamar Sarai de irmã, e nem cometeu pecado ao tomar a filha de seu irmão como esposa, naquela cultura e circunstancias era esperado que ele o fizesse, o pecado seria não fazê-lo. 

Tomar as filhas do irmão que havia falecido era o moralmente correto a fazer, pois mulheres eram vulneráveis em uma civilização onde não conseguiriam se defender fora da família. 

Ao tomar a filha do irmão como esposa Abrão e Naor estavam zelando pelo nome e memória do irmão falecido e protegendo a família. Que futuro teriam Milca e Sarai fora da família? Seriam escravas ou prostitutas. Mesmo quando a herança de Harã foi passada a Ló, o filho mais velho, esse permaneceu sobre a tutela de Abrão até que Ló pôde se emancipar dele em Genesis 13:11. 

Mas vamos verificar o que dizem as escrituras em Gênesis 11:24-30: 
24 E viveu Naor vinte e nove anos, e gerou a Terá. 
25 E viveu Naor, depois que gerou a Terá, cento e dezenove anos, e gerou filhos e filhas. 
26 E viveu Terá setenta anos, e gerou a Abrão, a Naor, e a Harã. 
27 E estas são as gerações de Terá: Terá gerou a Abrão, a Naor, e a Harã; e Harã gerou a Ló. 
28 E morreu Harã estando seu pai Terá ainda vivo, na terra do seu nascimento, em Ur dos caldeus. 
29 E tomaram Abrão e Naor mulheres para si: o nome da mulher de Abrão era Sarai, e o nome da mulher de Naor era Milca, filhas de Harã, pai de Milca e pai de Iscá. 
30 E Sarai era estéril, não tinha filhos. 
Verifique o gráfico que ilustra passo a passo a narrativa bíblica que prepara a história que daquele momento em diante se foca em Abrão e Sarai. 


O verso 30 indica que o verso 29 fala de Sarai, não só de Milca como filha de Harã, pois fecha a narrativa com “E Sarai foi estéril, não tinha filhos.” Ora a bíblia não se ocuparia de citar Milca senão para indicar que as duas Sarai e Milca eram filhas de Harã, e no hebraico a palavra "filha" do verso 29 também pode ser lido no plural ( בַּ ת filhas). 

Se Sarai era filha de Terá como muitos assumem, Genesis se ocuparia em lista-la com filha de Terá, assim como lista Milca e Iscá, embora Sarai esteja no mesmo verso, tentamos ignorar o fato. Já lemos esses versos pre-dispostos a ignorar Sarai como filha de Harã, pois nosso subconsciente que absorveu a ideia de que Abrão e Sarai são irmão diretos, nos trai cada vez que lemos o verso 29. 

No entanto Abrão revela algo mais em Genesis 20:12 “Além disso, ela é realmente minha irmã, filha de meu Pai mas não de minha mãe, e tornou-se minha mulher.” Ou seja, segundo as palavras de Abrão Sarai é filha de seu pai Terá, mas não é filha de sua mãe, esposa de Terá. A Bíblia, principalmente Genesis sempre listou as concubinas e filhas fora do casamento de importantes personagens como Terá e Sarai, não deixaria de listar o nome da concubina ou caso extra conjugal de Terá se esse houvesse ocorrido, a Bíblia não protege seus heróis, nem esconde os erros de tais, por sinal, todas as famílias de Genesis são disfuncionais e a Bíblia relata os defeitos e pecados de seus personagens importantes. Sarai não era filha de Terá com uma comcubina, se fosse o caso o nome da tal seria citado.

Portando voltamos outra vez para o contexto cultural, na sociedade patriarcal todos abaixo do Pai eram irmãos, e o sobrenome de cada um era o nome do seu Pai, portanto o nome completo de Abrão era “Abrão filho de Terá” e palavras e termos para primos e sobrinhos não existiam, mas para primo se usava “meu irmão filho do irmão de meu Pai” e para sobrinha “minha irmã filha de meu Pai mas não de minha mãe”. Naquela cultura se um pai de familia morresse seus irmãos ou o avó poderiam tomar os netos como seus filhos se nenhum dos filhos homem fosse adulto para assumir a casa. Era o natural a fazer, até que o filho mais velho tivesse idade de assumir os bens do pai falecido, esse foi o caso de Ló que, segundo entendemos, teve que cuidar de sua mãe, a viúva de Harã. Se o falecido deixasse esposa viúva sem filhos, um dos irmãos, ou o sogro se os irmãos fossem menores, deveria toma-la como esposa e ter um filho com ela, esse filho herdaria os bens do pai falecido quando tivesse idade. Essa é a lei do Levirato. 

A lei do Levirato que foi absorvida pela lei de Moises servia para proteger a esposa. Em numerosos versos, a Bíblia aponta viúvas, órfãos e estranhos como membros desprivilegiados da sociedade a quem devemos mostrar uma bondade especial. A situação de uma viúva sem filhos era especialmente terrível, pois ela não tinha ninguém para cuidar dela e fornecer-lhe apoio material.

A lei do Levirato garantia a continuidade da família, status aprimorado e recursos financeiros. A história mais famosa sobre o casamento Levirato na Bíblia é a de Tamar, que era ancestral do rei Davi (Gênesis 38). Após a morte de seus dois filhos mais velhos (que se casaram com ela), Judá se recusou a permitir que seu terceiro filho cumprisse essa obrigação com o Tamar sem filhos. Eventualmente, o próprio Judá, sem saber, cumpriu o mandamento quando teve relações com Tamar e, posteriormente, ela deu à luz um filho.

A casa do patriarca Terá usou uma tradição na mesopótâmica, lei oral em Ur e que depois veio a fazer parte do código de Hamurabi em cuineforme,  a lei do Levirato, para resolver os problemas causados pela infeliz morte de Harã. 

Hará deixou sua viúva que não poderia assumir os bens de Harã, essa seria a função do filho mais velho. Se o falecido não houvesse deixado um filho homem ou se o filho homem fosse menor e incapaz de assumir a herança e as responsabilidades de cuidar de sua mãe viúva e irmãos menores, o avô, ou algum dos irmãos, começando do mais velho até o mais novo, poderiam pedir o direito de assumir a herança e família do falecido. Se nenhum dos irmãos quisesse fazê-lo, o direito passava-se para o parente mais próximo que desejasse fazê-lo. 

A herança deixada por Harã incluía não somente bens, como animais e os servos da casa, incluindo pastores.

Havendo um herdeiro homem, mas menor de idade, o parente que assumisse os bens da família iria gerenciar os mesmos até que o herdeiro se tornasse maior de idade. Ao se tornar maior de idade ao herdeiro lhe era dado os bens de seu falecido pai, assim com a responsabilidade de cuidar de sua mãe viúva e de irmãos e irmãs menores.

Se o falecido não houvesse gerado herdeiro homem, então aquele parente que se dispusesse da herança do falecido deveria tomar a viúva como esposa e tentar engravidá-la até que essa pudesse conceber um filho homem. Esse filho homem deveria ser criado até que tivesse idade para assumir os bens deixados pelo falecido esposo, então assumiria a herança e a responsabilidade de cuidar da mãe e de irmãos menores. 

O verso 27 de Genesis 11 somente cita os que se tornaram cabeças de família, patriarcas. Quando cita Harã gerou a Ló, é porque Ló veio a assumir a herança e a casa de seu pai Harã.

No caso da morte de Harã, no primeiro momento o seu pai Terá assumiu a guarda dos filhos e a herança. Então os filhos de Harã agora se tornam filhos de Terá, e por consequência, irmãos de Abrão e Naor. Naor e Abrão tomam então como esposas duas das filhas de Naor, Milca e Sarai. Ló que era menor então é assumido por Abrão, e a Abrão é dado a herança deixada por Harã até que Ló se tornasse maior o que ocorreu de fato em Genesis 13. 

Entenda que não havia uma data exata para considerar alguém maior ou menor, pessoas amadurecem de maneira diferente e em tempos diferente e os antigos sabiam disso. Foi somente por ocasião da disputa entre os pastores de Abraão e Ló que a separação entre a Casa de Harã e a Casa de Abraão veio a ocorrer. Entendemos que Ló já administrava os bens de seu pai mesmo debaixo da proteção da Casa de Abraão. Entre os pastores de Ló haviam os que serviram ao próprio Harã e outros que eram filhos dos servos de Harã e desejavam o status de ter seu próprio clã de volta, sentiam que seu senhor Ló já era maduro o suficiente para começar seu próprio clã, por isso foram ousados em disputar com os pastores de Abraão. 

Quando se separou de Abrão, Ló levou tudo que era de Harã ou que foi multiplicado do que foi deixado por Harã enquanto debaixo da cobertura de Abraão e assumiu sua mãe viúva, irmãos menores e os servos de seu falecido pai.

A lei do Levirato que pode ser observada na história de Judá e Tamá, Boaz e Rute servia para proteger a viúva, os filhos e os servos do falecido. Evitava conflitos familiares e assegurava que a viúva não ficasse desamparada. Se o falecido não tivesse deixado filho homem e a viúva nunca viesse a conceber um filho homem com o irmão ou parente que a assumiu no Levirato, essa permaneceria para sempre como esposa do que a assumiu. 

Achou complicado? Mas fazia todo o sentido quando se fazia parte de um clã onde os membros dependiam uns dos outros para se manter, proteger e prosperar.

O Talmude judaico também identifica Sarai como filha do falecido irmão de Abraão, Harã, de modo que Sarai é tida como sobrinha de Abraão e irmã de Ló. Iscá e Milca. 

Há alguns que acreditam que Abrão cometeu incesto, mas justificam o ato com a desculpa de que a lei de Moises apenas veio a condenar o incesto 500 anos depois. Mas isso é um engano, um completo ignorar do contexto e cultura daqueles dias feito por quem tem uma visão limitada sobre a história antiga. O Código de Hamurabi, lei vigente nos dias de Abrão para Ur dos Caldeus e toda a região da mesopotâmia condenava a incesto com pena de morte, fosse Sarai irmã de Abrão, ou meia irmã, teríamos que crer que a família era criminosa além de incestuosa, mas esse não é caso. Não somente sabemos que Abrão era justo, pois o Código de Hamurabi absorveu a lei do Levirato usada pela Casa de Terá que permitiu que Abrão se casa-se com sua sobrinha Sarai. A Lei do Levirato pode ser observada no caso entre Judá e Tamar em Genesis 30, antes do código mosaico, mas é depois incluída na lei por Moisés em Deuteronômio 25:5. Leis boas eram mantidas e absorvidas por outros códigos de lei que o procediam, o Levirato foi absorvido não somente pelo código de Hamurabi como também pela lei de Moisés. A história entre Rute e Boaz que deu origem a descendência de onde foi originado Davi e consequentemente Jesus, tem como pano de fundo a lei do Levirato.  

Previna-se usar os valores politicamente corretos de hoje para julgar pessoas que viveram 3831 anos atrás, contextualizar os tempos é da sabedoria de poucos, mas o apressar para julgar é de tolos. 

Abraão não mentiu. 

Wesley Moreira