A BREVE HISTÓRIA DA BÍBLIA DE JUDAS

Em viagem ao sul da Inglaterra para sua coroação em 1603, o Rei James (imagem) foi parado por uma delegação de puritanos que lhe presentaram uma petição assinada por 1.000 clérigos contendo uma lista de queixas e propostas de reformas a serem feitas na igreja da Inglaterra.

Esse abaixo assinado foi posteriormente chamado de "Millenary Petition" é se focava em remover costumes considerados pagãos pelos puritanos, e que segundo eles, foram absorvidos pela igreja católica e herdados posteriormente pela igreja Anglicana tais quais: A imposição das mãos em oração, com a finalidade de conferir o dom do Espírito Santo; O sinal da cruz durante o batismo; Curvar-se diante do nome de Jesus; A exigência do uso da batina e da kipá; A remoção dos múltiplos cargos e títulos eclesiásticos; A absolução de pecados pelos pastores; A abolição da observação do Domingo e a volta para o Sábado*.

O recém coroado Rei James foi então chamado para uma reunião no Palácio de Hampton Court para abordar os tópicos contidos na petição Milenares, esse era o ano de 1604 e os puritanos não foram autorizados a participar do primeiro dia da conferência, e portanto foram negligenciados na maior parte do seu pedidos. Na verdade, o Rei James estava feliz de como funcionava a Igreja Inglesa, e era extremamente contra o modelo presbiteriano escocês.

John Reynolds
Os puritanos frustrados na maioria de seus pedidos adotaram uma segunda estratégia,  criar uma versão da Bíblia traduzida de forma a fazer justiça ao que eles acreditavam estar no original da Bíblia e consequentemente mais em par com sua teologia. A nova tradução foi sugeria pelo Dr. John Reynolds, a voz puritana na liderança na conferência, que trouxe a tona a idéia de uma nova tradução da Bíblia, sob o argumento que "aquelas Bíblias que foram autorizados no reinado do Rei Henrique VIII e King Edward VI são tão corruptas que não respondem à verdade do original ".

O Rei James que odiava a popular Bíblia de Genebra considerada ser anti-monarquia por causa da linguagem usada e notas de margem redigididas pelos reformadores anteriores com a finalidade de promover o laicismo e desfazer a unidade entre a igreja católica e as coroas, viu com bons olhos a proposta e concordou que uma nova tradução seria o melhor. Como exemplo cito a edição de 1599 da Bíblia de Genebra que trazia essa nota marginal sobre Daniel 6:22: "Porque ele desobedeceu mandamento perverso do Rei para obedecer a Deus, nenhum prejuizo veio sobre ele. Rei algum deve comandar nada pelo qual Deus deve ser desonrado. " e mais, a mesma versão traduzia as palavras "fortes" e "altivos" do original para "tiranos" um termo que era comumente usado para se referir pejorativamente aos Reis e Monarcas como em Isaias 13:11 "E visitarei sobre o mundo a sua maldade, e sobre os ímpios a sua iniqüidade; e farei cessar a arrogância dos atrevidos, e abaterei a soberba dos tiranos."Em Jó 06:23, lia-se: "E livrai-me das mãos do adversário? Ou: Resgatai-me das mãos dos tiranos?" Em Jó 27:13, lia-se: "Esta é da parte de Deus a porção do ímpio, e a herança que os tiranos recebem do Todo-Poderoso"

A tradução da bíblia começou em 1607. Cinquenta e quatro especialistas da Bíblia (apenas quarenta e oito foram registrados pois alguns morreram antes que a tradução fosse concluída) se reuniram nas Universidades de Oxford, Westminster, e Cambridge para discutir a tradução. Eles vieram de conrrentes distintas e possuiam ideias diferentes sobre a reforma que eles queriam ver acontecer.

Cada tradutor traduzia de forma independente a mesma seção da Bíblia, que depois era trazida de volta à subcomissão. Todas as traduções eram então comparadas, e uma era selecionada para ser enviada para a comissão de revisão geral. O comitê revisor ouvia a tradução, em vez de lê-la; porque muitos dos cristãos eram analfabetos e, eles queriam que a bíblia para soasse corretamente. Se a tradução não soava bem o comitê geral debateria e reveria a passagem até que esta soasse melhor aos ouvidos. Depois, eles enviavam as passagens aprovadas para os bispos, que, então, enviavam a passagem para o arcebispo de Canterbury, que iria finalmente enviá-la ao Rei James que tinha a palavra final na aprovação da nova tradução.


KJB de Robert Bake, a Bíblia de Judas

A nova tradução foi finalmente concluída em 1610, mas não se tornou disponível para o público até o ano seguinte. Quando foi impressa por Robert Barker. Infelizmente, a nova tradução era tão esperada que Barker, levado às pressas para atender à demanda, imprimiu as cópias com muitos erros tipográficos. Barker que havia pago £3.500 pelo direito exclusivo de publicar a Bíblia, gastou muito mais que este valor corrigindo seus erros e afastando editores piratas. Barker foi vencido em 1635 quando já não podia pagar pelas dívidas contraídas no seu projeto de produzir e fornecer a King James Bible, terminou na prisão, onde veio a morrer.

Grosseiras correções de Baker
A versão impressa por Barker ficou de tão ruim ficou conhecida como a " A Bíblia do mau" e ainda a "Bíblia de Judas" que entre outras  discrepâncias e erros de impressão trazia por exemplo, “God’s greatness”, Grandeza de Deus, impresso como “God’s great ass” o que soaria como “A grande bunda de Deus” e a palavra “Não” foi deixada de fora do mandamento "Não cometerás adulterio" A qualidade da impressão somada à proibição por lei da circulação e comércio da popular Bíblia de Genebra em 1611 explica que não é exatamente um mistério a razão porque a King James Version era odiada pelo povo.

O nome "Bíblia de Judas" perseguiu a King James Bible até que esta veio a sofrer uma série de revisões, seus erros tipograficos foram corrigidos, novos resumos dos capítulos foram incluídos, e novas referências marginais foram adicionadas. As revisões seguintes abriram a porta para o aumento da popularidade da King James Bible que hoje ocupa o segundo lugar como best-seller perdendo apenas para a Nova Versão Internacional.

Wesley Moreira



*A observação do Sábado fazia parte da proposta dos reformadores puritanos em 1603 e foi por um período cogitado pelo Rei James até que esse veio a assinar o decreto do "Declaration of Sports" de 1617 que determinava e regulamentava a prática de esportes aos domingos, o que frustrou o plano dos reformadores puritanos. Nesso ponto os puritanos se distanciavam de Lutero e Calvino que não observavam nenhum dia santo durante a semana e apenas reconheciam o domingo como um dia de feriado cívico comum – não santo, e que oferecia uma oportunidade para que os Cristãos fossem ao templo.



Fontes consultadas:
Bobrick, Benson (2001). Wide as the waters: the story of the English Bible and the revolution it inspired. Roger Lockyer, Tudor and Stuart Britain: 1485-1714, 2004, Norton, David (2005). A Textual History of the King James Bible, Gee, Henry, and William John Hardy, ed., Documents Illustrative of English Church History (New York: Macmillan, 1896), 508-11