Quebrou Jesus a lei ao curar no Sábado e ao se recusar a autorizar o apedrejamento de uma mulher adúltera?
O Rafael escreveu alegando a fabilidade da Bíblia afirmando que Jesus mesmo se colocou acima das escrituras quebrando a lei: "Jesus, antes de morrer e ressucitar realizou atos que eram contrários a lei: curar no sábado, defender mulher do apedrejamento", disse Rafael.
Minha resposta: "Negativo, Jesus curmpriu TODA a lei, ele foi perfeito. Os espisódios no parágrafo acima citados pelo Rafael não foram discussões iniciadas por Jesus mas debates trazidos a Ele por aqueles que o buscavam testar. O contexto Bíblico aponta para o contrário da argumentação proposta.
Os debates eram comuns na dia-a-dia da sociedade judaica. Imagine uma sociedade em que as crianças ao completarem 13 anos já haviam lido toda a Bíblia várias vezes e sabiam recitar trechos inteiros sem usar o beneficio da numeração de capítulos e versículos. Quando alguém citava um trecho da Bíblia qualquer judeu pescador, comerciante ou servo sabia de qual livro era e de qual assunto e contexto o texto se referia. Era uma sociedade letrada nas escrituras. Jesus aos 13 anos já debatia a Bíblia com os mestres no Templo.
Nesse contexto social, quando alguém diz ser o Messias, o natural é que essa importante alegação fosse confirmada pelos mais sábios. Ninguém clamava ser alguma coisa sem ser testado pelos escribas e fariseus. Nós sabemos hoje que Jesus era o Cristo, mas essa não era a condição daquela sociedade onde Messias e Cristos surgiam todos os dias. Gamaliel testifica disso em Atos:
"Porque, há algum tempo, levantou-se Teudas, dizendo ser alguém; ao qual se ajuntaram uns quatrocentos homens; mas ele foi morto, e todos quantos lhe obedeciam foram dispersos e reduzidos a nada. Depois dele levantou-se Judas, o galileu, nos dias do recenseamento, e levou muitos após si; mas também este pereceu, e todos quantos lhe obedeciam foram dispersos. (Atos 5:36-37)
Oxalá se os evangelicos, a exemplo dos fariseus no tempo de Jesus, pusessem a teste seus líderes periodicamente antes de segui-los. Mas é politicamente incorreto constragir esse ou aquele líder com a heresia que ele ministra sob a pena da marca da rebeldia. É essa aversão ao bom julgamento que abriu a porta da igreja aos charlatões e bandidos que fazem da fé fonte de lucro.
Em realidade os saduceus e escribas se criam protetores da palavra de Deus e por muitas vezes cumpriram bem esse papel. Quando os rumores de que Jesus era o Messias surgiram no cenário da nação os testes, provas e debates foram consequentemente trazidos a Ele. Desses mesmos confrontos muitos fariseus se tornaram seguidores de Jesus, alguns secretamente, pois os saduceus que sentiam sua autoridade ameaçada pela vinda do Messias, ordenaram que todos que acreditassem que Jesus era o Messias fossem expulsos das sinagogas.
Alguns desses debates eram limpos e bem articulados, como o do jovem que perguntou a Jesus, "Mestre, qual o grande mandamento da lei?". Outros debates eram apenas 'pegadinhas' maliciosas a fim de denegrir o oponente diante do povo ou das autoridades. É exatamente esse o contexto dos episódios da cura no Sábado, da mulher adúltera e dos impostos entre outros.
O Antigo Testamento nunca condenou a cura no Sábado. A tradição Shamaita* por sua vez condenava tudo que fosse feito no Sábado, até boas ações. A Bíblia, como esclareceu Jesus, não impedia nem mesmo que alguém salvasse sua ovelha no Sábado, porém os fariseus Shamaitas eram fanáticos fieis ao Talmud, a tradição escrita dos judeus que determinava até a quantidade de passos que alguém poderia dar em um Sábado.
O Talmud era uma espécie de comentário Bíblico usado lado a lado com a Bíblia que induziam certas interpretações de determinados textos. Semelhante em nossos dias a essas Bíblias de comentários de rodapé que induzem o leitor a crer além do texto escrito e seu contexto. O Talmud criava cargas adicionais sobre os mandamentos e determinava certos usos e costumes a serem seguidos, entre estes, regras de como se deveria guardar o Sábado. Jesus violou a lei por curar no Sábado? Não! Ele violou a tradição Talmudica.
Nenhum Judeu poderia administrar uma pena capital (de morte) sem autorização do governador Romano. Razão pela qual os saduceus ao condenarem Jesus a morte por blasfêmia foram buscar dos Romanos a autorização para crucifica-lo! Essa era a realidade social daquele povo. Os Romanos governavam sobre eles com mão de ferro permitindo a liberdade religiosa mas negando aos Judeus o exercício de suas leis civis como a condenação de alguém a morte.
Ao trazer a mulher adúltera à Jesus eles intentavam denuncia-lo aos Romanos por ordenar uma execução capital ilegal ou agitar o povo contra Jesus retirando-lhe a autoridade perante o povo acusando-o de não obedecer a lei civil mosaica. Era uma armadilha perfeita! Mas Jesus possuia uma tremenda capacidade para debater. Depois de pensar por alguns momentos deu uma resposta que não violava a lei romana nem a mosaica:
Mas, como insistissem em perguntar-lhe, ergueu-se e disse- lhes: Aquele dentre vós que está sem pecado seja o primeiro que lhe atire uma pedra. (João 8:7)
Semelhante armadilha lhe prepararam quando lhe questionaram se era lícito aos judeus pagar tributo a César. Os judeus odiavam os Romanos por seus pesados impostos. Os cobradores de impostos eram considerados traidores da nação. O povo tinha Jesus como profeta e o protegiam das investidas dos saduceus que buscavam prende-lo. Acusar Jesus de traidor da nação seria uma boa maneira de destruir sua popularidade, por outro lado incitar o povo a não pagar impostos era crime de conspiração contra o imperador. Perguntar a Jesus, diante do povo, dos herodianos (partidarios de Herodes) e dos guardas se era lícito pagar impostos era também uma armadilha perfeita. Jesus mais uma vez mostrou tremenda capacidade para debates e repondeu com sabedoria:
Dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar tributo a César, ou não? Jesus, porém, percebendo a sua malícia, respondeu: Por que me experimentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo. E eles lhe apresentaram um denário. Perguntou-lhes ele: De quem é esta imagem e inscrição? Responderam: De César. Então lhes disse: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. Ao ouvirem isso, ficaram admirados; e, deixando-o, se retiraram. (Mateus 22:17-22)
Jesus mesmo desencadeou seu julgamento à morte quando propositalmente disse ser o Filho de Deus. Confissão que foi interpretada como blasfêmia. Não houvesse Ele confessado ser 'um com o Pai', falta alguma os sacerdotes haveriam encontrado nEle em relação as leis cívicas, rituais e morais de Moisés. Jesus foi perfeito até a morte de cruz e ali ofereceu sua perfeição por nossa imperfeição. Não fosse Jesus perfeito não poderia morrer na cruz pelos nossos pecados. Fosse Ele também pecador morreria somente pelos seus próprios pecados.
Me perdoem os heréticos, mas conhecer o contexto bíblico é fundamental!
Wesley Moreira
* Os Shamaitas eram o ramo do farisaismo que seguia a Shamai o fundador de uma escola teologica que levava seu nome. Os Shamaitas buscavam sempre desacreditar a Jesus, exatamente por que Seus ensinos se assemelhavam com o ensino dos fariseus Hilleitas, seus adversários. Hillel foi o fundador de uma escola teológica que levava seu nome. Gamaliel, o justo, que foi mestre de Paulo, o apostolo era neto de Hillel. Paulo foi teologicamente formado pela escola de Hillel e os traços da hermeneutica de Hillel podem ser encontrados nas suas epistolas a exemplo da alegoria de Galatas 4:24.