O DÍZIMO PÓS REFORMA – DO PEW-TO-RENT AO PAY-PER-VIEW

A reforma protestante sempre foi lembrada pela volta a "Sola Fide" historicamente conhecida como a doutrina da justificação pela fé como única exigência para a salvação em Cristo que contrastava diretamente com a doutrina das indulgências que, conforme era pregada, garantiria um lugar nos céus ao doador.

A reforma deixou outro grande legado histórico menos divulgado, porém de grande importancia politico-social, a separação entre igreja e o estado. As novas congregações protestantes eram independentes e como toda liberdade tem seu justo preço, os ministros não podiam mais contar com Roma ou e as gordas doações das Coroas. Congregações que eram únicas em suas cidades eram mantidas pela comunidade através de doações, a medida que as igrejas protestantes cresciam em número, os mais variados tipos de ofertas para mante-las abertas eram criadas. Os cidadãos da cidade de Geneva, por exemplo, pagavam parte do salário de João Calvino em barris de vinho, por isso em seu comentário sobre Salmos 104:14-15 Calvino escreveu: "é lícito usar o vinho não só em casos de necessidade, mas também, para nos fazer feliz." Foi nesse período que o “Pew-To-Rent” se popularizou. O termo Pew do Holandes correspondia aos melhores assentos dentro de um teatro, aqueles bem perto do palco onde as orquestras se apresentavam. Os ministros alugavam os melhores lugares da igreja para as familias que pudessem pagar, o restante dos lugares eram abertos gratuitamene e publicamente, da renda do aluguel dos bancos viviam a maioria dos ministros pós reforma.

Bem antes dos reformadores, os Rabinos já haviam adotado o pew-to-rent para suas sinagogas. Os Judeus deixaram de dizimar quando os registros genealógicos foram destruídos na destruição do Templo em 70 dC e eles não podiam mais determinar os verdadeiros Levitas de entre os Judeus e preferiram adotar o pew-to-rent dos assentos para arrecadar fundos para a manutenção de suas sinagogas,  


É nessa altura da leitura que leitores se esquecem do contexto histórico e partem para o julgamento ético. Mas pagar pelo Pew-To-Rent  não era o mesmo que comprar um ingresso para o teatro? Sim e não! Alguém tinha que pagar pela despesa da igreja, e os teatros não deixavam espaços abertos gratuitamente ao público. Porque eles, os ministros, não pediam ofertas? Porque ainda viviam sob o trauma socio-teologico causado pelo sistema de indulgencias catolicas, da mesma forma que hoje nenhum pastor sério quer ser confundido com algum pastor da IURD os ministros protestantes daqueles dias temiam serem relacionados com a Igreja de Roma.

Talvez algum dos leitores desse blog deseje resolver os conplexos problemas na história desde a poltrona da sala e com seu laptop no colo, e deva estar pensando que os membros da igreja deveriam ter tudo em comum, pastores deveriam ser copias carbonicas de São Francisco, que era sustentado por Roma, e fazer um voto de pobreza e trabalhar de graça, pode ter concluído que a ganância de certos ministros é a causa da corrupção do evangelho. Por certo, e em teoria pareça razoável esse raciocínio, porém a prática posto a prova por certo grupo reformista, os anabatistas, comprovava outra realidade. Durante o período pós reforma os anabatistas formaram primitivas comunidades comunistas onde tudo lhes era comum, desde os bens tangíveis de propriedade, pasmem, até as esposas e filhos eram religiosamente compartilhados, em certos ramos do anabatismo. Entre os muitos exemplos posso citar os Melchiorites, um ramo dos anabatistas que capturaram a cidade alemã de Münster, queimaram todos os livros que encontraram, exceto a Bíblia, proibiram o uso de dinheiro e tomaram todas as propriedade do povo declararando-as de uso público. No processo de tomada da cidade eles mataram protestantes e católicos, considerados por eles como os amantes do dinheiro. Logo depois da conquista da cidade, seu líder, João de Leyden, que possuia dezesseis esposas, ordenou uma orgia sexual para celebrar sua vitória.

A medida que adequamos nossa visão ao contexto daqueles tempos a Pew-To-Rent deixa de ser tão estranho e as radicais e polemicas decisões tomadas pelos reformadores se justificam. O Pew-To-Rent foi  usado pelas igrejas reformadas por quase 300 anos até os meados de 1850. Conta a história que Mark Twain (1803-1910) entrou certa vez em uma igreja, vagou pelo corredor, e se sentou em um banco vazio. Passados alguns minutos um homem com toda a família se aproximou e o entregou uma nota: "Você sabe o quanto eu pago por este banco?" o homem havia escrito com grandes letras. "Você paga muito!", respondeu Twain em alta voz enquanto se retirava do templo. Mesmo que a maioria dos assentos estivessem livres, incidentes como esse eram comuns, pessoas eram escoltadas para fora do templo o que fazia repercutir na sociedade a ideia de que a igreja privilegiava os mais ricos.  Isso durou até George Mueller.

Eram meados de 1838 quando o jovem ministro alemão, recém chegado em Londres, encontrou uma cidade com 10.000 orfãos e conseguiu tirar cerca de 300 deles das ruas. O aluguel da casa, comida e roupa para os orfãos somados com as despesas da igreja não poderiam ser cobertos somente com o dinheiro dos pews. George Mueller entendia que a doutrina do antigo testamento sobre os dízimos e ofertas faria mais sentido e causaria menos problemas. Tomando um passo de fé ele primeiramente eliminou o aluguel dos pews, os bancos da igreja passaram a ser ocupados por ordem de chegada. Em seus primeiros meses sem o dinheiro dos pews a igreja de Mueller foi a falência e somente os milagres não permitiram os orfãos passarem fome. Em resposta a orações de Mueller, quando não o padeiro, era o leiteiro que abastecia milagrosamente a dispensa do orfanato durante aquele duro período que terminou quando a gente, movida pela atitude de fé de Mueller e tocados por seus ensinos sobre o "doar voluntariamente e de coração", timidamente começaram a ofertar e a dizimar naquela obra. O exemplo de Mueller foi seguido primeiramente pelos pastores metodistas que logo foram por sua vez seguidos pelas demais denominações protestantes. Passaram-se pouco mais de 165 desde que Mueller tirou das ruas seu primeiro órfão, e pouco menos desse mesmo período desde que o primeiro recolhimento de dízimos aconteceu em uma igreja cristã.

Mueller percebeu que uma das primeiras medidas sociais e essenciais, como definido no livro de Atos, foi a nomeação de diáconos como os responsáveis pelo auxílio dos pobres e necessitados na Igreja local. Logo após nomear diáconos Mueller, seguindo o ensino do Antigo Testamento, começou a dedicar 1/7 (um sétimo) do dízimo recolhido aos pobres. Mueller também teve o cuidado de não manter propriedades particulares enquanto fosse sustentado pelo dízimo. O Velho Testamento, ensinava ele, não dava permissão para possuir qualquer imóvel ou propriedade tangível, a aqueles que eram sustentados pelos dízimos, e se queremos ensinar algo retirado da lei, concluiu ele, então melhor observarmos o ensino em tudo.

Testemunhando os constantes escandalos sobre os abusos cometidos no recolhimento de ofertas e dízimos nos dias atuais alguém poderia perguntar: Abriu Mueller a caixa de pandora?

A reforma nos restaurou a fé em Jesus para a salvação, mas é a fé em qualquer coisa e em qualquer um, a fé em qualquer ritual ou objeto, que nos trouxe de volta à venda de indulgencias. Hoje são vendidos além de um lugar no céu muitas bençãos na terra. O que testemunhamos diariamente nos púlpitos é o Pay-Per-View evangélico, um filme de mau gosto, onde o crente paga para ver a bênção acontecer. Como qualquer obra holywoodiana, a benção é virtual, condicional, dúbia, inexistente, pura ficção na maioria da vezes. Existem uma total inversão de valores entre o ensino do dízimo de nossos dias e o ensino de George Mueller.
"Meu objetivo com o dízimo nunca foi o quanto eu poderia recolher mas sim o quanto eu poderia dar."
~ George Mueller 

Durante esses 165 anos o dízimo nos trouxe mais benefícios que malefícios. Ele nos permitiu sustentar missionários, alimentar orfãos, socorrer viúvas, vestir os nús, aliviar os sedentos e visitar os presos. Os abusos sempre existirão aonde existir um homem, se algo pode ser provado através dos escandalos que assolam a igreja atual  é que a igreja é humana. Apesar da constante tentativa dos supostos líderes de supervalorizar a função igreja, os escandalos estarão sempre diante de nós, a nos lembrar que somos apenas pó da terra. O que há de especial na igreja não vem dela mesma, vem de Cristo que comprou por caríssimo preço uma noiva que a si mesma desvaloriza. O que falta à igreja é respeito próprio e arrependimento.

Pessoalmente sofro com cada escándalo que me chega aos ouvidos. Não é justo que o nome de Jesus sofra dano por causa da usura e insensatez de alguns. Me doi muito, me dá muita raiva, sofro porque sou parte desse corpo invisível chamado igreja, e por mais distante que eu tento me manter, mais me escandalizo quando alguém por quem Jesus morreu é roubado em nome do mesmo Jesus.  

Wesley Moreira